De olhos fechados
A luz começa a quebrar e as sombras avançam pelos telhados da cidade. As casas ganham volume e as cores parecem mais definidas. E quentes.
O castelo, ao fundo, permanece ao sol mas a sombra vai tingindo a encosta. O azul do rio reflecte o azul do céu e distingue-os uma neblina púrpura, ainda muito leve e fina. Mais tarde, quando toda a cidade estiver à sombra, essa neblina há-de tornar-se espessa e cor de cinza. Em certas noites chega a tomar conta do céu, como se fosse um imenso véu. Ou um manto que cobre a cidade e nos protege antes da noite cair.
Os pássaros voam mais livres ao entardecer e cruzam-se vertiginosamente no ar. (…) O vento sopra morno e as vozes, longínquas, descombinam-se com os gritos dos pássaros alegres e tudo soa a verão e calor. As janelas, abertas até ao limite, deixam ver a cidade e quase todo o rio. Os barcos passam, muito lentos, deixando na água riscos de um azul quase tão escuro como a noite que se anuncia.
Atrás das casas, entre os jardins de palmeiras e buganvílias, há um pátio de pedras antigas (…) onde agora não se vê ninguém. Um pátio desabitado que, em breve, voltará a ser cuidado.
Tenho saudades desses dias que hão-de vir. Fecho os olhos com força e vejo outros olhos fechados. Conheço a sua intensidade e sei de cor a sua cor. Abro os meus devagar para não chorar. A noite caiu.
As luzes do castelo estão acesas e iluminam as muralhas. São luzes amarelas, muito baixas, que deixam ver a consistência das pedras antigas e sublimam a perfeição dos ângulos. Vistos de longe, os pinheiros mansos ganham contornos e parecem ainda mais belos e inspiradores.
Depois das luzes do castelo acendem-se duas linhas rectas ao longo do rio e só então, surgem as estrelas da ponte que tocam o céu e brilham a noite inteira.
E eu continuo aqui, a pensar em ti. A guardar o pátio com o olhar e a lançar sobre ele toda a nostalgia dos dias que passaram e daqueles que hão-de vir. E deixo-me ficar aqui pois é aqui que quero estar.